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03. O que é médium? Todos somos médiuns?

  • Foto do escritor: Patrick  Lima
    Patrick Lima
  • 14 de abr. de 2023
  • 9 min de leitura

Atualizado: 20 de jun.

A palavra médium vem do latim medium, que significa meio, centro ou intermediário. Originalmente, esse termo era usado para indicar tudo aquilo que se encontra entre dois polos ou realidades, algo que estabelece a ligação ou faz a mediação entre partes distintas.

Retrato colorido em alta resolução de Allan Kardec, pioneiro do Espiritismo e dos estudos sobre mediunidade, com fundo escuro tipo lousa escolar, destacando seu rosto detalhado e expressão séria.
Como saber se sou médium segundo o Espiritismo?

No entanto, o uso da palavra médium para designar uma pessoa capaz de intermediar a comunicação entre o mundo espiritual e o mundo material é relativamente recente. Esse emprego começou a se consolidar apenas a partir do século XIX, com o surgimento dos primeiros estudos sistemáticos sobre os chamados fenômenos espirituais.


Antes disso, diversas culturas já conheciam e experienciavam manifestações atribuídas a Espíritos, mas sem utilizar esse vocabulário técnico. Foi no contexto do espiritualismo moderno — especialmente na Europa e nos Estados Unidos — que o termo medium (na forma inglesa) passou a ser usado com mais frequência para identificar pessoas que serviam como canal para mensagens do além. Essa acepção se difundiu por influência direta do movimento espiritualista e, de modo indireto, pelas ideias do pensador sueco Emanuel Swedenborg (1688–1772), que, embora não tenha utilizado esse termo, ajudou a consolidar as bases do pensamento espiritualista europeu.


No Espiritismo, codificado por Allan Kardec em meados do século XIX, o termo médium passou a adquirir um significado mais específico: designa a pessoa que atua como ponte entre dois planos ou dimensões distintas. Em termos práticos, trata-se daquele que, de forma sensível e consciente, serve de intermediário na ação dos Espíritos, permitindo manifestações perceptíveis — como psicografias, incorporação, vidência e audiência mediúnica, toques — entre outras formas de interação. (Referências: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa; Trésor de la langue française informatisé – TLF)



SEGUNDO KARDEC, O QUE É MÉDIUM?


Allan Kardec, no capítulo XIV de O Livro dos Médiuns afirma que todo aquele que sente, num grau qualquer, a influência dos Espíritos é, por esse fato, médium.


Para entender corretamente essa frase, é fundamental refletir sobre o significado do verbo sentir nesse contexto. Para isso, vamos recorrer ao texto original em francês, a fim de compreendermos com mais precisão o que Kardec realmente quis transmitir.



NO ORIGINAL FRANCÊS


No original francês de Le Livre des Médiums, Kardec escreveu:


Toute personne qui ressent, à un degré quelconque, l’influence des Esprits est, par cela même, médium.


O verbo em destaque é ressentir. No francês, ressentir não é um simples equivalente do nosso sentir, trata-se de um verbo mais forte e específico.


Segundo o Dicionário Larousse — uma das obras de referência mais tradicionais e respeitadas da lexicografia francesa —, o termo significa:


— Experimentar uma sensação física ou emocional de forma intensa.


Ou seja, não estamos falando de uma impressão vaga ou de uma percepção sutil. O verbo ressentir envolve uma experiência perceptível, intensa e concreta, que pode ser física, emocional ou mental, mas sempre com forte impacto sobre quem a vivencia.



TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS


Na tradução mais conhecida para o português de O Livro dos Médiuns — realizada pela FEB, com base nos trabalhos de Guillon Ribeiro e outros colaboradores —, o verbo francês ressentir foi convertido em sentir. Essa escolha ampliou consideravelmente o campo de significados da frase original.


Essa pequena mudança pode parecer sutil, mas altera significativamente o alcance da ideia, como veremos a seguir.


Segundo o Dicionário Houaiss, o verbo sentir pode significar:


— Perceber por meio dos sentidos (ex.: sentir calor);

— Experimentar emoção (ex.: sentir saudade);

— Intuir (ex.: sentir que algo está errado).


Esse leque de significados torna o termo mais ambíguo e menos preciso do que o uso original feito por Kardec.



RESSENTIR x SENTIR: UMA DIFERENÇA QUE MUDA TUDO


Um ponto que merece atenção na leitura da frase de Kardec é o uso do verbo francês ressent, traduzido para o português como sentir. À primeira vista, essa equivalência parece aceitável, já que os dois verbos compartilham campos semânticos muito próximos. No entanto, uma leitura mais atenta — tanto do original francês quanto das implicações doutrinárias da frase — revela que essa tradução pode diluir o significado original pretendido por Kardec, merecendo, portanto, uma análise mais precisa.


Em francês, os verbos sentir e ressentir são, de fato, semelhantes. Ambos indicam que algo é percebido pelos sentidos ou pela sensibilidade psíquica. No entanto, há entre eles uma diferença importante: Sentir, tanto em francês quanto em português, pode se referir a qualquer tipo de percepção, desde uma sensação física leve até uma intuição vaga, sendo um termo neutro quanto à intensidade. Trata-se de uma palavra ampla e genérica.


Ressentir, por sua vez, carrega a ideia de experimentar algo de forma mais intensa, consciente, interna e emocionalmente significativa. Não se trata apenas de perceber algo de passagem, mas de ser afetado de maneira clara e perceptível.


É justamente essa distinção que justifica a escolha do verbo ressentir por parte de Kardec. Ele não está dizendo que qualquer pessoa que pressinta algo indefinido seja, por isso, médium. O termo ressentir indica que a influência espiritual é reconhecida pela pessoa de maneira concreta, sensível e direta, ainda que em graus diferentes.


A tradução clássica da obra, ao adaptar ressentir simplesmente como sentir, acaba atenuando essa nuance fundamental. Isso ajuda a explicar por que muitos leitores passam a interpretar — erroneamente — que qualquer pessoa que tenha uma leve intuição, um pressentimento ou uma impressão vaga já pode ser considerada médium.


Essa observação não visa desqualificar a tradução existente, mas destacar os limites inevitáveis da equivalência linguística entre línguas diferentes, especialmente quando se trata de termos com valor técnico e doutrinário. O tradutor, ao optar por sentir, certamente se baseou na similaridade geral dos verbos, mas essa escolha — embora compreensível — pode induzir o leitor a uma interpretação menos precisa.



INFLUÊNCIA DOS ESPÍRITOS


Com isso, chegamos a uma distinção essencial: todos sofremos influência espiritual, mas nem todos somos médiuns.


Em O Livro dos Espíritos, questão 459, Kardec confirma essa influência ao perguntar:

Influem os Espíritos em nossos pensamentos e em nossos atos?

Muito mais do que imaginais; influem a tal ponto que, de ordinário, são eles que vos dirigem.


Portanto, embora todos sejamos influenciados pelos Espíritos, isso não significa que todos sejamos capazes de perceber conscientemente essa influência, tampouco de servir como canal para manifestações evidentes. E é aí que entra o verdadeiro sentido da mediunidade.



INFLUÊNCIA MEDIUNIDADE


Para que possamos apreender esta ideia com maior lucidez, proponhamos um paralelo simples. Consideremos o sinal de Wi-Fi que se propaga invisível no ambiente ao nosso redor. Ele se encontra em toda parte, acessível, tal qual em uma vasta atmosfera de ondas. Contudo, somente o aparelho receptor, dotado da tecnologia e da configuração adequadas, é capaz de captar essas vibrações e as traduzir em uma conexão útil à internet. Assim é que, embora as ondas estejam ali, manifestando-se à nossa volta, sua percepção e utilidade dependem essencialmente da capacidade de quem as recebe.


Na mediunidade, o princípio é semelhante. Todos estamos imersos no campo espiritual, como se estivéssemos cercados por uma imensa rede de sinais invisíveis. Mas, assim como apenas alguns aparelhos são capazes de captar e traduzir esses sinais, apenas alguns indivíduos conseguem perceber essas influências com nitidez e manifestá-las por meio de fenômenos como a psicografia, psicofonia, visões, entre outras medianimidades.



RAROS SÃO OS QUE NÃO POSSUEM RUDIMENTOS


Retornando ao Livro dos Médiuns, Kardec aprofunda seu raciocínio ao destacar:


Por isso mesmo, raras são as pessoas que dela não possuam alguns rudimentos.


Ao falar em rudimentos, Kardec não está dizendo que todos possuem mediunidade ostensiva. Ele se refere a sinais muito iniciais e pouco desenvolvidos da sensibilidade espiritual, como certa intuição, impressão ou uma percepção vaga. Esses indícios ainda não caracterizam a mediunidade propriamente dita, mas indicam que essa faculdade existe de forma potencial em todo ser humano.


Para facilitar a compreensão, podemos pensar na mediunidade como um talento musical. Quase todas as pessoas são capazes de perceber ritmo, repetir uma melodia simples ou identificar uma nota musical. Esses são rudimentos musicais, que não tornam alguém um músico profissional, mas indicam que a estrutura básica está presente.


Da mesma forma, a maioria das pessoas possui rudimentos mediúnicos — intuições e percepções, pressentimentos, sensações inexplicáveis —, mas só se considera médium, na acepção kardequiana do termo, aquele que manifesta a faculdade de forma clara, contínua e com efeitos evidentes.

Essa diferenciação ajuda a evitar equívocos comuns. Sentir alguma coisa não torna a pessoa, automaticamente, um médium.



MEDIUNIDADE OSTENSIVA x MÉDIUM OSTENSIVO


Mediunidade ostensiva se refere à mediunidade ativa, clara e bem desenvolvida. É quando a pessoa não apenas percebe a influência espiritual, mas também serve de canal para manifestações contínuas e verificáveis. Essa expressão é válida para descrever a faculdade mediúnica quando esta se apresenta de forma clara e evidente.


O termo médium ostensivo, por sua vez, embora seja comum na linguagem popular, é dispensável do ponto de vista doutrinário. Isso porque, conforme a definição de Kardec, o próprio conceito de médium já implica uma mediunidade manifesta e evidente. Ou seja, chamar alguém de médium ostensivo seria o mesmo que dizer médico que exerce a medicina ou outra expressão similar. No entanto, o uso dessa expressão se difundiu especialmente para fins pedagógicos, com o objetivo de destacar a diferença entre aqueles que possuem a mediunidade claramente desenvolvida — segundo a definição do codificador — e aqueles que apenas apresentam sensibilidades ou influências espirituais mais sutis, como os sensitivos.


Em contextos de estudo e divulgação, essa expressão passou a ser empregada para facilitar a compreensão do grau de desenvolvimento da faculdade mediúnica, ainda que, na prática, não seja necessária. Por isso, seu uso deve ser entendido como recurso explicativo, e não como uma categoria doutrinária estabelecida por Kardec.


SOMOS TODOS MÉDIUNS?


Kardec comenta, na Revista Espírita (fevereiro de 1859):

O vocábulo [médium] tem uma acepção mais restrita, e geralmente se diz médium às pessoas dotadas de um poder mediatriz muito grande...


Ou seja, embora todos tenhamos alguma sensibilidade espiritual, o nome médium deve ser reservado àqueles cuja faculdade é clara e operante.


No capítulo XIV de O Livro dos Médiuns, Kardec ressalta:


Pode, pois, dizer-se que todos são, mais ou menos, médiuns.


Mas ele imediatamente completa:


Todavia, usualmente, assim só se qualificam aqueles em quem a faculdade mediúnica se mostra bem caracterizada e se traduz por efeitos patentes, de certa intensidade, o que então depende de uma organização mais ou menos sensitiva.


Esse todavia seguido de vírgula tem o papel de uma conjunção adversativa. Ou seja, a segunda parte da frase restringe e qualifica a generalização feita na primeira.


Em princípio, todos somos sensíveis ao mundo espiritual. Mas, conforme o uso que Kardec faz do termo, médium é aquele que reconhece com clareza e regularidade a presença e a ação dos Espíritos.


Isso mostra que, embora todos possam apresentar sinais de sensibilidade espiritual, não se pode afirmar, à luz da definição kardecista, que todos sejam médiuns.

SENSITIVO É O MESMO QUE MÉDIUM?


Em Segurança Mediúnica, o Espírito Miramez — por meio da psicografia de João Nunes Maia — nos ensina que a mediunidade é um estado natural da criatura, um dom, um fruto maduro. O sensitivo, por sua vez, é um fruto verde a caminho da maturidade.


É por isso que nem todo sensitivo é, de fato, um médium. O sensitivo capta impressões espirituais de forma vaga, intuitiva ou emocional, mas ainda não manifesta uma comunicação nítida e recorrente com o plano espiritual. Trata-se de um estágio inicial.

AINDA SOMOS TODOS MÉDIUNS?


No Espiritismo, a palavra médium não é um título espiritual, nem um rótulo genérico para pessoas sensíveis ou intuitivas. Trata-se de um termo com valor específico. Diante das considerações aqui apresentadas, a definição de médium que mais se aproxima do pensamento do codificador seria a seguinte:


Médium é aquele que percebe, de forma física e consciente (que apreende pelos sentidos, com clareza, frequência e intensidade), em algum grau, a influência dos Espíritos.


Allan Kardec, ao afirmar que todo aquele que sente a influência dos Espíritos é médium, não quis dizer que todos o são no mesmo grau ou com a mesma clareza. Sua intenção foi mostrar que a sensibilidade espiritual é uma faculdade natural do ser humano, ainda que, na maioria das pessoas, essa influência ocorra de forma sutil, difusa ou mal interpretada. Por isso mesmo, ele esclarece, nos parágrafos seguintes, que o uso comum da palavra médium deve ser reservado àqueles cuja faculdade mediúnica se manifesta de maneira nítida, constante e reconhecível.


Essa distinção entre sensibilidade mediúnica (presente em todos) e mediunidade ostensiva (presente em alguns) é fundamental para evitar confusões conceituais. Muitas vezes, experiências como uma intuição repentina, um arrepio inexplicável ou um pressentimento isolado são interpretadas como mediunidade, quando, na verdade, fazem parte das influências espirituais a que todos estamos sujeitos em diferentes graus, sem que isso, por si só, configure a presença da faculdade mediúnica propriamente dita.


Esclarecer essa distinção não apenas enriquece o entendimento sobre a mediunidade, como também protege o estudo espírita de interpretações apressadas, ajudando cada pessoa a se situar com mais responsabilidade diante dessa faculdade.





Texto extraído do livro Mediunidade com Kardec de Patrick Lima.

Capítulo 2: Mediunidade Sem Medo Pergunta 03: O que é médium? Todos somos médiuns? Como citar: LIMA, Patrick. Mediunidade com Kardec. Poverello Edições, 2023. 1ª ed.





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


DICIONÁRIO HOUAISS da Língua Portuguesa. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001.

TRÉSOR DE LA LANGUE FRANÇAISE – TLF. Medium. CNRS/ATILF – Analyse et traitement informatique de la langue française.

KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns, ou Guia dos Médiuns e dos Evocadores: Espiritismo experimental. Tradução de Guillon Ribeiro (a partir da 49ª edição francesa). Brasília: Federação Espírita Brasileira, 81ª edição, 2020.

KARDEC, Allan. Le Livre des Médiums, ou Guide des Médiums et des Évocateurs. 11e édition. Paris: Didier, 1869.

LAROUSSE, Éditions. Dictionnaire de français Larousse. 1ª edição eletrônica. Paris: Larousse, 2024.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. FEB; 93ª edição. Rio de Janeiro, 2014.

KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de estudos psicológicos – fevereiro de 1859. Tradução de Julio Abreu Filho. Edicel Editora; 4ª edição, março de 2020.

MAIA, João Nunes (psicografia). Segurança Mediúnica. Miramez (espírito). Fonte Viva, 2ª edição, março de 2015.

GUIMARÃES, Anete. Mediunidade: Mitos e Verdades. Seminário realizado na Associação Espírita A Caminho da Luz (AELUZ), São José do Rio Preto, SP, 23 de abril de 2016.


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